
Armadilha digital com inteligência artificial monitora praga da cana em Alto Alegre
Uma pesquisa realizada em Alto Alegre, no interior de São Paulo, mostrou que o uso de armadilhas digitais equipadas com inteligência artificial e internet das coisas pode aprimorar o monitoramento da broca-da-cana, considerada a principal praga da cana-de-açúcar. O estudo, liderado por Glauber Gava, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, foi desenvolvido no âmbito do Semear Digital e testou um protótipo capaz de registrar automaticamente a presença do inseto em lavouras comerciais.
A broca-da-cana atinge diretamente a produção de etanol e açúcar, setores estratégicos para a matriz energética e a balança comercial do país. O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, responsável por 1/3 da produção global. Para a safra 2025/26, as projeções indicam colheita de aproximadamente 670 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), consolidando o país como um dos principais fornecedores de bioenergia, tanto pela produção de etanol quanto pela queima do bagaço de cana.
A broca-da-cana, cujo nome científico é Diatraea saccharalis, tem distribuição nacional e pode causar perdas de até 30% na produtividade. Além de reduzir o peso dos colmos e da quantidade de açúcar da cana, o ataque da praga abre caminho para a entrada de fungos como o Fusarium spp., que provoca a chamada podridão vermelha e compromete a qualidade da matéria-prima.
Um estudo realizado pela professora Márcia Mutton, da Unesp (campus de Jaboticabal), em parceria com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) mostrou que o impacto da praga é imediato. Cada 1% de infestação reduz até 2% o rendimento de etanol por hectare e até 1,97% a produção de açúcar, dependendo da variedade cultivada. As perdas decorrentes da praga são estimadas em R$ 8 bilhões/ano, considerando danos nas lavouras e no processo industrial.
Tomada de decisão em tempo real
O monitoramento tradicional da praga depende de métodos trabalhosos e caros, como a abertura de colmos para contagem de larvas e pupas ou o uso de armadilhas manuais que exigem grande esforço de campo. “Essas práticas nem sempre refletem a dinâmica populacional em tempo real, dificultando a tomada de decisão sobre o momento certo de intervir. Por isso a ideia da armadilha digital”, explica Gava.
A armadilha digital repete o princípio das armadilhas manuais, mas com muito mais eficiência. Enquanto no método tradicional o técnico precisa ir ao campo a cada semana ou quinzena, o modelo eletrônico faz o registro todos os dias. Assim, como a armadilha manual, o dispositivo usa um feromônio que atrai os machos da praga. Eles caem em uma base colante equipada com câmera, que tira fotos diárias e envia as imagens para a nuvem. Um sistema de inteligência artificial identifica e conta os insetos automaticamente. Os dados ficam disponíveis em tempo real pela internet, permitindo que o produtor saiba exatamente quando ocorre o pico de infestação. Com essa informação, é possível agir mais cedo, seja com controle biológico ou, quando necessário, com inseticida. O resultado é o uso mais racional de defensivos e maior agilidade no manejo da lavoura.
No experimento conduzido entre janeiro e abril de 2025, os pesquisadores instalaram uma armadilha eletrônica em um talhão de cana, no Distrito Agrotecnológico de Alto Alegre. O equipamento, desenvolvido pela empresa parceira Elsys, realizou a captura e contagem diária dos adultos da broca, transmitindo os dados para uma plataforma digital. Com isso, foi possível identificar picos populacionais e calcular o nível de risco de dano em tempo real.
O pesquisador explica que o protótipo foi considerado representativo e de fácil uso pelos produtores de Alto Alegre, o que sinaliza boas perspectivas para sua adoção. “A equipe agora trabalha para certificar o equipamento e ampliar os testes para outras culturas, incluindo frutíferas, além de avaliar sua eficácia no monitoramento de diferentes pragas agrícolas”, complementa Gava.
Se confirmada em escala comercial, a tecnologia ajudará a reduzir perdas, racionalizar o uso de inseticidas e abrir caminho para uma agricultura de baixo carbono mais alinhada aos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil.
O estudo “Monitoring of the sugarcane borer (Diatraea saccharalis) using a digital electronic trap in the municipality of Alto Alegre (SP)” de autoria de Gluber José de Castro Gava, Elisabete Garcia David, Franz Macedo Bories, Giorggia Tevola Marques, Isabella Clerici De Maria, Ana Carolina Vidal do Nascimento foi apresentado durante o II Workshop de Pesquisa do Semear Digital e contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
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Protótipo de armadilha digital em campo, para capturar machos da broca-da-cana, indicando o nível de infestação do canavial. As informações permitem ao produtor agir no momento certo e reduzir perdas na produção. Fotos: Glauber Gava.
Paula Felício Drummond de Castro
Graziella Galinari (MTb 3863/PR)
Contato: agricultura-digital.imprensa@embrapa.br